sábado, 21 de março de 2009

Projeto "Grafia de Si através da Arte"




GRAFIA DE SI ATRAVÉS DA ARTE

INTRODUÇÃO

Solitude começa num processo de busca pela inteireza. É um ouvir atento aos apelos do espírito, um silêncio interno que nos permite vislumbrar, sem pressa, os meandros de nosso próprio ser e do mundo a nossa volta, sem comparações e sem angústia, longe de ser solidão, é estar bem consigo mesmo.

Durante um mestrado em história, ao estudar um grande homem que nasceu, viveu e nasceu no século XVIII, chamado Olaudah Equiano, tive a oportunidade de me debruçar mais atentamente na temática das escritas-de-si. Como já estava vivendo a arteterapia e a formação tinha marcado profundamente meu ser, as emoções-conhecimentos arteterapêuticos ainda ululavam em minha memória. Deste encontro surgiu esta oficina: do aprendizado sobre a escrita-de-si e do olhar/vivenciar o processo de descoberta constante que a arte oferece e possibilita.

Parti então para a construção da oficina, na qual a fantasia dirigida de inspiração cabalística é o eixo central, que amalgama os conceitos teóricos sobre diários e relatos autobiográficos. Essa fantasia dirigida propõe que cada qual se reconheça na totalidade, sem comparações, julgamentos ou críticas. Esse ato poderia trazer o contundente reconhecimento de que somos “equipados” exatamente com aquilo que precisamos para construir uma vida de mais bem-aventurança.

Desde o surgimento do indivíduo moderno que temos tomado conhecimento das mais variadas formas de expressar o eu: diários, livros autobiográficos, bem como poemas, quadros e esculturas serviram, servem e servirão para que cada qual busque uma identidade para si e nela se construa.

A proposta é discutir brevemente o relato autobiográfico como possibilidade transformadora, utilizando uma imaginação ativa na qual os participantes serão convidados a descobrir uma de suas potencialidades que os faz especial e que congrega elementos físicos (compleição física), intelectuais, emocionais e transcendentais (espirituais). Essa é uma perspectiva que “empodera” porque reconhecer o que somos, talvez nos ajude a buscar o que queremos ser ou a reforçar padrões de força em nós mesmos.

São vários tipos de fazer autobiográfico, mesmo através de pinturas e esculturas pode-se encontrar tal intuito. Hutton afirma que a autobiografia moderna seria um gênero diferente de retratos de si anteriores porque convidaria os leitores a engajar num tipo similar de introspecção, onde todos deveriam pensar sobre si. Quem merece ser lembrado? E por que lembrar? Hutton aborda um lugar onde o tempo encontra a eternidade e que só pode ser percebido pelo olho interno. As incursões no passado parecem ser formadas por vozes mais caras de nossa memória, para aquilo que nos move para escrever, nossas crenças. A memória seria então uma re-coleção de si, que uniria passado e presente (em cada dado tempo) e daria sustentação e significado à vida, o passado que vale a pena ser conhecido, que restaura conexões com o tempo que teria formado a pessoa que se apresenta.

A autobiografia pode ser vista como uma forma de justificativa e invenção de um novo sentido. O íntimo do indivíduo seria a fonte da verdade, de onde vem a organização do mundo, portanto, seria a sinceridade dessa expressão que interessa, mas do que a coerência e a verdade. Por esse motivo, Calliagaris considera a escrita de si crucial da modernidade, uma necessidade cultural, no qual o sujeito subordina a verdade à sinceridade.

O ato autobiográfico seria algo culturalmente e historicamente datado – um fenômeno moderno e ocidental. Como Calliagaris aponta “É uma escrita autobiográfica que implica numa cultura na qual o indivíduo situe sua vida acima da comunidade a qual pertence... cultura essa na qual importe ao indivíduo sobreviver pessoalmente na memória de outros.

A autobiografia seria uma representação do sujeito por si mesmo ou seria o sujeito um efeito do texto? Quando trabalhamos o tema da coerência tratamos exatamente dessa questão e concordamos com Gomes: “a escrita de si é, ao mesmo tempo, constitutiva da identidade do seu autor e do texto, que se criam simultaneamente através dessa modalidade de “produção do eu”. Quando contamos nossa vida, a re-orientamos e nela forjamos rumos que fluem nas nossas linhas.

A autobiografia recomporia e interpretaria uma vida em sua totalidade, justamente porque levaria o indivíduo a se situar “no que é” na perspectiva do que “tem sido”, seria portanto, para Gusdorf, o substrato da experiência. E essa vida se desenrola num determinado tempo e lugar e na relação entre esse indivíduo e seu contexto reside algumas das respostas, das dúvidas, das afirmativas, que ele produz para empreender a construção de si. É de certo importante perceber que ninguém escreve uma narrativa de memórias ou uma autobiografia sem ter vivido os anos requisitados, sem ter uma vida para contar.

Howarth afirma que as idéias e as crenças que dão à autobiografia seu significado, a filosofia no qual o autor se situa, a fé religiosa, as atitudes políticas e culturais, sendo seu tema também representativo de uma era. Cada autobiografia orquestraria seu tema com seus aportes e contextos, para dar a si mesmo, a sua historia e a seu leitor, um forte senso de unidade intelectual.

Phillipe Lejeune define autobiografia como relato retrospectivo em prosa que uma pessoa real faz de sua vida , a proposta nesta oficina é unir essa possibilidade de nós, como mulheres e homens modernos e pós-modernos, de nos re-descobrir através das linhas de si, uma proposta estruturante e de empoderamento, que pode ter uma continuidade e aplicabilidade no set arteterapêutico.

- explanação sobre autobiografia e a importância das linhas de si.
- Fantasia Dirigida: Os 4 mundos (de inspiração cabalística, possindo equivalente em outras tradições).
- Expressão plástica da experiência e discussão socializada do que ficou dela. - A proposta final é que cada qual encontre sua forma pessoal de se "artegrafar", uma proposta de aperfeiçoamento de si e conseqüentemente do mundo a sua volta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento de que nascemos exatamente com aquilo que precisamos para viver essa jornada de um modo mais pleno é paulatino, mas que empreitada poderia ser mais válida? O início se faz sempre de um primeiro passo: no nosso caso, uma primeira oficina, onde, a partir de um reconhecimento saudável do si-mesmo e de uma "artegrafia", começamos a fiar um belo bordado, que pode vir a enfeitar de fortalezas e amor-próprio a nossa existência.

HUTTON, Patrick H. William Wordsworth and Sigmund Freud – the search for the self historicized. In: HUTTON, Patrick. History as an art of memory. Hanover: University Press of New England, 1993.
CALLIAGARIS, Contardo. Verdades de autobiografias e diários íntimos. Estudos Históricos. Rio de Janeiro: v. 11, n. 21, 1998. Pág. 5.
CALLIAGARIS, Contardo. Pág. 13.
[3]GOMES, Ângela de Castro (org). Escrita de Si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES, Ângela de Castro (org). Escrita de Si, escrita da História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. Pág 16.
OLNEY, James (ed). Autobiography – essays theoretical and critical. New Jersey: Princeton University Press.
HOWARTH, William L. Some principles and autobiography. In: OLNEY, James. (org). Autobiography: essays theoretical and critical. Princeton, New Jersey, USA: Princeton University Press, 1980.

REFERÊNCIAS:
BELLO, Susan. Pintando sua alma. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2003.
COOPER, David. A. Three meditation gates to meditation practice. Vermont: Skylight Paths Publishing, 2000.
GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
GOMES, Ângela de Castro (org). Escrita de Si, escrita da História: a título de prólogo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
HOWARTH, William L. Some principles and autobiography. In: OLNEY, James. (org). Autobiography: essays theoretical and critical. Princeton, New Jersey, USA: Princeton University Press, 1980.
HUTTON, Patrick H. William Wordsworth and Sigmund Freud – the search for the self historicized. In: HUTTON, Patrick. History as an art of memory. Hanover: University Press of New England, 1993.
JUNG, C.G. AION – Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo. Petrópolis: Editora Vozes, 1976.
JUNG, C.G. Memórias, sonhos, reflexões. São Paulo: Editora Nova Fronteira, 2002.
LEJEUNE, Philippe. El pacto autobiográfico y otros estúdios. Madrid: Megazul, 1986.
OLNEY, James (ed). Autobiography – essays theoretical and critical. New Jersey: Princeton University Press. 1980.
PAÏN, Sara & JARREAU, Gladys. Teoria e técnica da arte-terapia – a compreensão do sujeito. Porto Aleger: Artes Médicas, 1996.
VARGAS, Mônica Valéria Silva de Queiroz. Autobiografia de um “africano ilustrado” – um estudo de caso – Olaudah Equiano (1745-1797). Dissertação de Mestrado, apresentada ao PPGHIS-UERJ, abril de 2006.

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