quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Olho do Furacão - escrito meses antes do término da formação

Mônica Valéria S. de Queiroz Vargas

Resumo O texto relata a experiência de ser sujeito de um ateliê de arteterapia antes mesmo de ser um facilitador. Passar por esse processo faz muita diferença. Pois só assim podemos ter idéia dos benefícios, das dificuldades e das descobertas que essa vivência pode nos trazer. É sobre esse caminho que autora faz um sincero testemunho para os que vivem a arte ou que pretendem seguir esse caminho...

Abstract The article describes the experience of being in a art therapy atelier even before the practice of being a facilitator. Living this process makes a lot of difference, because it may gives us the idea of the benefits, difficulties and also the discoveries that this experience may bring to our lives. It is regarding this choice that the author makes a sincere testimony for those who live the art or for those who intend to follow this path…

Pensei em escrever um artigo sobre a história da arteterapia, começando com os intentos de Margaret Naumburg e Florence Cane, depois passar por todas os percursos da arteterapia no Brasil, desde os anos 20. Mas tendo aprendido que a arteterapia é arte em movimento, é um aprendizado do fazer artístico na vida, decido escrever sobre uma trajetória pessoal em arteterapia, a minha, que ainda está longe de findar, posto que ainda sou aprendiz. Este intento talvez esteja buscando diálogo, buscando que outros também o façam, porque tenho o sentimento de que o trocar é essencial no nosso aprender. Todos nós já nos encontramos em “esquinas” existenciais, esquinas estas que são fundamentais para a construção de nós mesmos.

Estava eu numa dessas esquinas quando tomei conhecimento do aspecto terapêutico do fazer artístico. Isso aconteceu no centro de desenvolvimento humano Artemísia (da antroposofia), onde trabalham com terapia artística. Já tinha lido em algum lugar sobre arteterapia e terapia artística, mas nunca tinha “vivido a experiência”, e não há como sentir seu “formidável poder de penetrar o sangue” (parafraseando Carlos Drummond de Andrade), se não nos damos aos fios do tear, às pinceladas da aquarela, às formas de argila... Sob efeito desta experiência, um novo mundo se abriu, com toda complexidade e maleabilidade de um momento de criação. Percebi desde o primeiro passar de dedos pelas urdiduras, que aquele fazer criativo sempre estivera esperando por mim, eu apenas desconhecia que havia um saber que me possibilitaria ser criador e criatura.

Visitei a escola Pomar, me encantei com suas paredes coloridas e com o conhecimento de sua fundadora, mas as incompatibilidades de horário me levaram a buscar, e encontrar, nova e maravilhosa alternativa – Lígia Diniz – nossa mestra, que tem sido um belo presente. E, no momento em que comecei as aulas, se fez o dilúvio, recriando a criação. Nas águas de lágrimas e nos ares de sorrisos, tenho descoberto necessidades a tanto reprimidas, falares há tanto resguardados e possibilidades de um fazer artístico expressivo que cura. Através de acolhimentos percebi esse efeito curativo das mais diversas feridas, do corpo, da mente e da alma. Nas danças dos corpos visíveis e invisíveis, tenho percebido o ondular de mim mesma. Nas discussões mais teóricas, nos contos de fadas, nos mitos, no moldar da argila, no organizar da colagem, tenho pensado e repensado na importância do afeto nas relações, enquanto professora, terapeuta, colega, amiga, mãe e mulher.

A afetividade, segundo dicionário etimológico, seria a “inclinação para amar” que vem do latim affectare. Entre outros significados, escolho este, para ilustrar meus pensamentos, porque sempre acreditei, ingenuamente talvez, como Lewis Carroll, que “é o amor que faz o mundo girar...” Um grupo de arteterapia é também um grupo na qual a arte e a arte de ser se constroem, entre mortes e nascimentos, colegas que se foram para outras escolhas, para longe e para além, o grupo se consolidou, e estar com minhas companheiras e companheiro é sempre uma oportunidade de rever-me (e, às vezes, sabemos como “se ver” dói), é também um momento de prazer e alegria.

A arteterapia tem se mostrado um possibilitar e uma possibilidade constante em minha vida. Uma busca, um fazer as pazes, um cantar maravilhoso, um gritar e também um silenciar, sempre envoltos em aprendizados, não distantes ou verborrágicos, mas possíveis e táteis, embora nem sempre visíveis. Quem não sonhava, passa a sonhar; Quem não ousava, passa a ousar; quem só ousava, passa a contemplar. Numa formação em arteterapia não há como se abster do fazer, do experenciar. E nessa forja, nesse transformar, nessa busca por conhecimento, cabem muitas coisas, pessoais e sociais. Passamos a olhar o brincar e o praticar de forma completamente diferenciada e inteiramente singular.

A arte é uma oportunidade do homem/mulher encontrar-se porque nos solicita inteireza, e a inteireza pode ser igualmente maravilhosa e tenebrosa, e cada qual tem seu tempo e sua hora para encarar o olho do furacão que somos.


Mãe Borboleta IMPRESSÕES DA ARTE

Mãe Borboleta – 23.9.03
Eu sou uma mãe alada
Eu alimento, acolho e sei receber
Sou feita da terra fresca e surjo do mar
Das vagas das profundezas
Tenho uma coroa luminosa (Iya mi tala´adê)
Pequena e poderosa
Sei onde estou e para onde vou
Meu destino é a criação
Transformar é meu verbo
O amor é meu guia
Eu manipulo os poderes
E manifesto o meu ser

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